quarta-feira, 6 de julho de 2011

Não Veja pense!


Pense!”


Tome uma ideia pré-concebida, junte a ela meia dúzia de mentiras para fazerem o papel dos fatos, faça destes pseudo-exemplos tomados isoladamente a base para uma generalização apressada e suprima qualquer contraponto a ideia que se quer fazer passar por verdade. Misture tudo isso e sirva num jornal ou revista de circulação nacional: tudo o que vier a ser dito estará devidamente protegido em sua veracidade e credibilidade pela simples garantia de que não haverá resposta capaz de atingir sequer uma pequena parte dos leitores que tiveram acesso a sua iguaria. Eis a receita de grande parte do jornalismo que se faz na mídia burguesa – aquele que se faz por encomenda, para atender a interesses inconfessáveis que preferem permanecer à sombra.

Segundo a revista Veja, “a liberdade de expressão sempre foi um valor sagrado na universidade, mas na UnB ela foi revogada para que em seu lugar se instalasse a atitude mais incompatível que existe com o mundo acadêmico: a intolerância”. Para ela, a UnB teria se transformado num “madraçal esquerdista em que a doutrinação substituiu as atividades acadêmicas essenciais”.

Para a Veja, não importa a quantos anos-luz este enunciado possa estar da realidade concreta de quem vive, estuda e trabalha cotidianamente na UnB: basta-lhe apenas utilizar o poder material de fabricar a (sua) própria realidade em imagens e palavras e fazê-la circular entre milhões de pessoas para transformá-la numa verdade que não poderá ser refutada pela pura e simples ausência dos meios materiais necessários para isso. Vê-se assim até que ponto a “liberdade de expressão” na sociedade capitalista se resume na prática ao poder despótico que detém os proprietários dos meios materiais de produção e circulação das ideias, imagens e representações de fabricar, de acordo com seus próprios interesses inconfessáveis, o que será universalmente destinado a todos como as únicas representações do real efetivamente existentes.

Para os que vivem, estudam e trabalham na UnB, a reportagem da Veja pode ser facilmente desmentida pelos fatos porque podemos fazer nosso próprio juízo a partir de nossa própria experiência. Para nós, esta reportagem só pode mesmo servir para nos fazer refletir sobre o que é e como de fato funciona a mídia burguesa. Mas para as milhares de pessoas que terão lido esta reportagem, será muito difícil não associar a UnB ao conteúdo falaz desta pseudo-reportagem.

Numa sociedade fundada em relações de força, poder, dominação, exploração e opressão, em que o lugar de trabalho é o espaço despótico do poder do patrão, o processo global de produção e reprodução social da vida e seu intercâmbio com a natureza estão submetidos aos imperativos totalitários da valorização sempre ampliada do capital, e a estrutura de comando político da sociedade – o Estado – funciona, na prática, como estrutura corrupta e corruptora de comando político do capital, a universidade pública é um verdadeiro oásis de liberdade. Ela é o único lugar público na sociedade capitalista onde a liberdade de expressão ainda pode ser exercida – ao menos na medida em que este direito ainda possa ser livremente exercido numa sociedade como a nossa. Não é por outra razão que a mídia burguesa recorrentemente dispara seus holofotes contra a universidade pública. Se dependesse deles, a universidade pública já teria ido para o museu da história, devidamente substituída pelo despotismo reinante nas empresas privadas de ensino superior.

Mas a quem interessa a agenda da mídia burguesa para a UnB? Do ponto de vista interno à UnB, é mais do que claro que esta reportagem interessa apenas àqueles que foram varridos da UnB pela ocupação da reitoria em 2008, em meio a evidências de um vasto esquema de corrupção, privatização, clientelismo, nepotismo e privilégios. Sua satisfação com a reportagem da Veja é tão indisfarçável quanto sua disposição real de lançar mão de todos os meios para recuperar o botim.

Cabe aos que de fato defendem a UnB e a universidade pública reconstruir a nossa própria agenda, que não é nem a agenda da mídia burguesa, nem a do governo, nem a da reitoria, que funciona na prática como gestora mais ou menos desastrada de um processo de precarização da universidade que é diretamente produzido pelas políticas neoliberais de um governo que a cada ano destina quase metade do orçamento global da União para ser consumido com o serviço de uma dívida que vem sendo paga a cada oito anos, e serve apenas para nutrir, com os juros mais altos do mundo, os super-lucros de banqueiros e especuladores.

Num país em que a maioria da população é composta de analfabetos funcionais, a escola funciona como um verdadeiro depósito de crianças, os professores recebem salários de fome na maior parte do país e apenas 4% do PIB são aplicados em educação, a agenda que é feita de nossos problemas reais passa, antes de tudo, por abraçar com toda energia a campanha nacional por 10% do PIB para a educação. Por uma simples questão aritmética, nossos problemas reais, seja na universidade, seja na escola pública, seja na sociedade, não poderão ser resolvidos enquanto a maior parte do dinheiro de nossos impostos continuar a ser destinado para alimentar os lucros do capital. Mas sobre isso, nem a Veja nem nenhum órgão da mídia burguesa jamais pronunciará qualquer palavra.

Rodrigo Dantas é Professor de Filosofia da Universidade de Brasília e escreve às quartas-feiras para o Jornal O MIRACULOSO


Fonte: www.miraculoso.com.br

Outros artigos no site do Miraculoso e no site da UNB.


Caros alunos para não falarem que a gestão está colocando só um ponto de vista no nosso blog visite o blog do Marcelo Hermes

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