Estes últimos 10 dias têm sido bastante intensos na mobilização política e social no Distrito Federal. Não venho aqui falar da ausência de estratégia e compromisso do GDF com a mudança social. Isto já é fato, pois não se enfrenta a maior desigualdade social do país sem medidas ousadas e que contrariem a ordem vigente.
Mas isto não quer dizer que o Governo Agnelo seja um todo organizado, sem conflito interno e possibilidade de conquistas ou deslocamentos, seja à esquerda ou a direita. Pelo contrário. A tensão parece ser a constante, ainda mais num momento onde o próprio Governador tem os bens bloqueados pelo roubo descarado que promoveu no Pan de 2007.
Por um lado o GDF, que nunca conseguiu consolidar sua “base” de apoio, tamanho o grau de oportunistas que se agregaram ao longo do caminho, enfrentou sua primeira grande crise nesta seara com a exoneração de Luis Pittman. Pittman é o empreiteiro, aliado histórico de Arruda, recebido de braços abertos na campanha de Agnelo, mas que achou que poderia seguir os passos de seu mestre ao fazer das obras públicas superfaturadas um patrimônio individual vendido ao povo como benesse.
Por outro lado, a ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto - MTST no Km 16 da BR 070 marcou o ponto de conflito da política habitacional criada pelo Secretário de Habitação Geraldo Magela com as necessidades reais do povo pobre e trabalhador deste DF e entorno.
Cabe antes resgatar um pouco da história recente. A primeira ocupação do MTST no DF remonta a um ano, quando da ocupação de mais de 500 famílias em Brazlândia, questionando a política habitacional e de especulação imobiliária no DF. Após este grande ato, o Governo Federal, por meio do Ministério das Cidades, o GDF e a Terracap iniciaram um processo de negociação com o Movimento no reconhecimento de sua legitimidade social e de princípios pautados pelo respeito e compromisso com as famílias envolvidas. Tal a surpresa que, na virada de Governo, a nova gestão de Magela não só cancela toda a negociação anterior como não mais se dispõe e a dialogar com o MTST.
Passados 6 meses sem negociação, Magela anuncia seu programa habitacional: construção de 10 mil casas populares, recadastramento da lista da CODHAB e manutenção do percentual de 40% destinados às fatídicas cooperativas. Era a constatação de que não existia mais negociação.
Restou uma única saída ao MTST: promover nova ocupação e pressionar com aquilo que o movimento social deve fazer: povo organizado, consciente de seu papel na história e firme na sua luta. A área escolhida: um terreno particular, de onde o GDF não poderia retirar sem mandato de reintegração.
A semana que se seguiu á ação da madrugada do dia 16 de julho foi repleta de surpresas: ameaça de despejo por conta de interesses mesquinhos do Administrador de Ceilândia no primeiro dia. Início de despejo, sem mandato reintegração de posse no terceiro dia. Tal fato foi contornado pela pressão externa. Despejo violento e ilegal no quinto dia. Ameaça criminosa de não cadastramento das famílias. Total desrespeito com as famílias ocupadas em frente ao Buriti. Ida de Agnelo à imprensa para criminalizar o movimento, associá-lo a política de ocupações rorizistas, nova ocupação no Ministério das Cidades, bloqueio da mídia ás ações. Acorrentamento dos(as) militantes até a conquista.
Para entender todo este conflito, temos que comparar duas coisas: os princípios do MTST e o projeto de Magela, o Roriz do Século XXI. Começamos com o primeiro.
O MTST é um movimento que já possui 14 anos no Brasil. Tem um histórico de compromisso com a luta social e a transformação da sociedade já consolidado. É um dos principais responsáveis hoje pelo fortalecimento da Frente Nacional de Resistência Urbana, coletivo que busca retomar a protagonismo dos(as) trabalhadores(as) no meio urbano. Frente às famílias, o MTST jamais cobrou um centavo para as ações e coloca como critério fundamental a participação ativa no processo de lutas. Na sua dinâmica interna promove a decisão coletiva e horizontal entre seus(suas) integrantes, bem como incentiva a formação de novas lideranças. Seu compromisso de classe, no caso da ocupação no DF, se mostrou firme ao negar o apoio proposto por deputados rorizistas e homenagear Gildo Rocha, mártir da luta sindical no DF, assassinado por Roriz e seus comparsas há 11 anos atrás, durante uma ação de greve, com o nome de seu acampamento.
Nada disto serviu para sensibilizar Magela e seus cães de guarda. Pelo contrário. Babavam para associar o MTST ao que de pior teve na história política do DF. Porque tanto ódio e desrespeito? Isto só se justifica pelo conflito direto com os interesses deste novo grupo que “manda” na política habitacional. E quais são os princípios desta política?
Quando Roriz iniciou o processo de ocupação irregular do solo, incentivando as ocupações populares, mas mantendo as famílias na dependência econômica e política (sob risco de perderem a casa), não estava fortalecida a especulação imobiliária, e terreno era o que mais sobrava no quadrado do DF. Agora, no século XXI, principalmente após 4 anos de gestão Arruda onde o solo fora rifado às grandes empreiteiras. A continuação da política rorizista encontra adversários fortes no seio da própria burguesia, bem como a diminuição real do número de áreas e terrenos.
Nada disto intimidou Magela: ao propor suas 10 mil moradias populares (sabemos que serão bem menos), Magela primeiro cancela a lista histórica da CODHAB e inicia novo cadastramento: sob desculpas de corrigir erros, retira direitos de quem acreditou por anos a fio na única lista existente e mantém obscuros, tal como Roriz, os critérios destinados à nova lista.
Não satisfeito com isto, Magela recadastra 350 (isto mesmo!) cooperativas que usufruirão, na melhor das hipóteses, de cerca de 4 mil das novas moradias. Como isto será feito? Na verdade, as cooperativas que não forem de aliados não receberão nenhuma e às demais alistarão um número grande de famílias, cobrarão uma grana de cada uma, entregarão lote para uns poucos primeiros e manterão os demais na dependência econômica e política. Só receberão as promessas de lotes aqueles(as) que não se rebelarem contra os cabos eleitorais (grileiros) de Magela, coordenadores das cooperativas. Qualquer semelhança com nosso passado recente não é mera coincidência.
Mas, como dito antes, Magela, o Roriz do século XXI, não tem muitas áreas e não tem muitos recursos para destinar. Assim, qualquer movimento na política de moradia que fuja a seu controle, tal como a ação do MTST, deverá ser criminalizado, sob risco de implodir a proposta. Magela precisa do controle absoluto.
Voltando ao início do texto, se não há diálogo com o secretário de Habitação Magela, que quer ser o seguidor de Roriz, tal como Pittman se apresentou como aspirante a Arruda, ainda existem espaços importantes e pontos de contato dentro do GDF abertos ao respeito e diálogo com a luta social e com os anseios reais do povo. A contradição ainda pulsa dentro do GDF.
Decidir por romper as asas de Magela, assim como fez com Pittman, pode ajudar a dar um novo caráter ao governo Agnelo. Não que será um governo de esquerda ou de mudança. Isto já passou. Mas ganhará em originalidade e será menos fantoche dos oportunistas que tentam se apropriar do Governo como ponte para seus projetos pessoais de reprodução do status quo.
Por outro lado, sucumbir à visão de Magela, criminalizar o MTST e a luta social, fará que o GDF seja marcado com o sangue da luta por dignidade, vida e justiça social. Guiará o Governo Agnelo cada vez mais para os interesses dos setores que sempre ganharam no DF e entorno, e responsáveis por colocar a capital federal com o título de região da maior desigualdade social do mundo. Dará vida, em pleno século XXI, a um novo Roriz, cujo projeto parecia morto pós campanha, mas que volta com força 7 meses após a posse.
Texto: Francisco Carneiro De Filippo (Chico): economista e militante do Coletivo Luta Vermelha
Fonte: http://www.miraculoso.com.br/
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